Monday, May 16, 2016

fumo e a luz branca

Acordar numa cidade e não ouvir um único motor, buzina ou travão mais relaxado, não parece de todo acordar numa cidade. Por momentos ela temera que tivesse morrido. A luz branca que trespassava abruptamente pela janela daquele quarto, que nada mais era que quatro paredes pálidas desnudadas dava a sensação de um chamamento do paraíso ou qualquer outra entidade divina. Atordoada tentava perceber onde raio estava, que leito era aquele onde se deitara e a angústia de saber com quem. A roupa que tivera outrora no corpo encontrava-se espalhada pelo chão do quarto e da forma como se dispunha, não parecia de todo ter sido uma tarefa pacífica. Respirou fundo, procurou um cigarro, sim um cigarro ia ajuda-la a organizar as ideias, perceber o que teria acontecido. Não, um cigarro não ia ajudar em nada, ela sabia que a resposta estava no corpo ainda quente deitado ao lado dela, mas precisava de um cigarro. Começou a remexer a cama, os lençóis, as roupas no chão e a maldita luz branca que lhe queimava a visão. A ansiedade estava a deixá-la cada vez mais desesperada. Onde diabos estava um cigarro?! Ouviu um sibilar, acompanhado de movimentos sanfonados, primeiro lentos seguidos de dois braços bruscos e ligeiros que a puxaram novamente para a luz branca. "Só quero um cigarro", estas últimas palavras foram sufocadas com dois dedos na boca que intuitivamente alcançaram a língua, travaram qualquer tentativa de comunicação verbal e iniciaram um ritual de asfixia quase hipoxifilica, perante a qual ela não se debateu minimamente. Alguns minutos de fugaz satisfação da carne acompanhados de gemidos abafados ouve-se um "clique" de um Zippo. "Toma fuma este cigarro!". Ela agarrou-o ansiosamente, com um travo mais profundo encheu a luz branca que se esgueirava pela janela do quarto de uma nuvem de fumo que a inundou de tranquilidade e a deixou suavemente em paz.

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